quinta-feira, 3 de março de 2011

Reconhecimento

 Estava fraca demais e mais ainda assustada com aquele homem que me achara em meio àquela mórbida escuridão. Eu não era uma garotinha que o pai levanta do chão na maior facilidade, não... eu já era uma mulher formada, e foi esse fato que começou a me deixar ainda mais apavorada, perdida na escuridão num lugar fétido e horripilante, gritos ecoando por toda parte, o corpo dolorido como se houvesse sido dilacerado de dentro para fora não tinham me apavorado tanto quanto a figura que agora me segurava em suas mãos. Em minha cabeça meus pensamentos não conseguiam se organizar, aquele maldito nome que não parava de ser repetido, as dores, fui barbarizada e enterrada viva... Já seriam sofrimentos demais e agora o que esse homem quer mais comigo? Não vê que sou apenas um farrapo? 
 Acostumada a escuridão nem abri meus olhos, mesmo após ter estremecido com a sua voz que pronunciara o  "Achei" ao me erguer. Achando que aquele seria meu fim definitivo, não quis lutar e nem me debater, estava fraca demais e meus gritos seriam apenas um sussurro em meio àqueles que já ecoavam por toda parte. Era melhor aceitar meu destino e morrer de uma vez...
 Jonas era seu nome e isso eu descobriria mais tarde. Ele me colocara em sobre seus ombros como se eu fosse uma boneca ou um saco de batatas e começou a caminhar. Não sei como ele conseguia ver e muito menos como ele achara algum caminho por entre aquela escuridão absoluta e nem se desnortear pelos gritos assombrosos. Perdi a noção de quanto tempo fiquei ali pendurada nos ombros daquele sujeito, pois ficara inconsciente algumas vezes. 
 Abri meus olhos quando senti uma claridade avermelhada em minhas pálpebras. O que ali meus olhos registraram é impossível descrever!!! Imediatamente comecei a me debater e quando fui arremessada ao chão, o que pensava não haver em meu estômago, pois estava há muito sem comer e me sentindo fragilíssima, coloquei pra fora e comecei a gritar histéricamente rastejando sem rumo me debatendo num desespero absurdo. Não tinha para onde ir, não havia para onde escapar, não havia outro lado para que pudesse desviar e não ver tudo aquilo. Em meio ao pânico que me assolara, enterrando a cabeça entre os joelhos e tentando tapar os ouvidos, gritei ao meu "bem feitor":
 - Desgraçado!!! Por quê você não me deixou na escuridão pra morrer? Que diabos você quer comigo seu cretino bastardo? Quer se aproveitar de uma quase morta? E que bosta de show  de horrores é essa? Seu doente maníaco desgraçado! - Não sei de onde tirei tanta força para dar vazão à minha fúria nesse momento.
 - Você está em casa! Esta é sua casa, sua cretina bastarda... Se não fosse, não estaria se fortalecendo só pelo ambiente. Mas tenha calma, você irá ficar mais forte e sua hora chegará. - Falou ele com um ar de deboche, desaparecendo em seguida.
 O lugar onde fui abandonada novamente não era nada agradável, não sei se pelo fato de agora conseguir ver ou de poder ser vista também. Pensei em me manter encolhida e com a cabeça entre os joelhos para que não fosse incomodada. Quanta inocência a minha!!! Criaturas medonhas, seres que eram apenas partes, animais indescritíveis, enfim, todo tipo de criatura que ali estava em algum momento reparou em mim e se aproximava quando eu perdia o fôlego de tanto gritar. Estava enlouquecendo. Só podia estar enlouquecendo porque estava me acostumando à situação. 
 Num momento de calmaria da minha parte, não reparei que uma criatura havia se aproximado e isso era ruim. Muito ruim. De repente senti um peso sobre minhas costas me lançando ao chão fétido e garras rasgando meu corpo. Comecei a gritar mas lógico que ali ninguém iria me ajudar, pelo contrário... Parecia que quando alguém estava sendo atacado outros que estavam por perto sentiam prazer e se extasiavam, aquilo lhes alimentava de alguma forma que eu ainda não entendia. Agora chegara minha vez de ser atacada, mas isso não significaria que eu teria que sofrer sem fazer nada. Ah não! - Chega de sempre ser a vítima! - Pensei. E pela primeira vez lutei contra uma criatura mais forte que eu, com tanta ferocidade, tanta fúria que quase não me reconheci. 
 Com um corpo mais ágil, mais veloz, resistente e com uma força fora do comum, que até aquele momento eu desconhecia, logo me coloquei por cima da criatura e então, sem pensar duas vezes, comecei a espancá-la. A cada golpe desferido eu me sentia mais forte e aquilo me deixava satisfeita! Não como a satisfação como você conhece, não... Quando a criatura estava inconsciente e outras se aproximavam para me atacar eu pulei em cima de outra e repeti o violento espetáculo. Assim foram duas, três, quatro, cinco vezes. Estava "saciada" e me sentindo poderosa com um largo sorriso no rosto até me dar conta da tamanha besteira que tinha feito.
 Sorridente  e satisfeita por ter colocado "ordem" no pardieiro me sentei despreocupadamente e achei que as criaturas se afastavam por medo de mim. Mais uma vez eu tinha que ser idiota o bastante pra me achar alguma coisa... Meu sorriso logo deu lugar à uma cara de surpresa quando senti aquele chicote estalando em minhas costas, seguido de uma gargalhada feminina. Antes que pudesse fazer qualquer movimento, estava com aquele maldito chicote envolto em minha garganta e aquela vadia me segurando por trás:
 - A mocinha está se achando demais aqui, não acha? - Inspirando o ar carregado e fechando os olhos ela continua - Humm, que delícia... Recém chegada! Há tempos que espero uma carne nova aqui pra poder brincar e adivinha?! A escolhida foi você... Bem vinda ao Inferno do Caos!

quarta-feira, 2 de março de 2011

O Despertar

 Tudo está escuro, abafado, eu não sinto meu corpo todo, meus pulmões ardem, o cheio é terrível e os sons que chegam aos meus ouvidos, são medonhos. Eu não sei como vim parar no meio desse Caos, não consigo gritar... A unica coisa que sei é que preciso sair desse buraco o mais rápido possível. Meu corpo dói como se tivesse sido dilacerado por cães, minhas mãos tremem e meus dedos sangram e mesmo assim continuo a cavar. Minha cabeça está latejando com o mesmo nome sendo repetido por várias e várias vezes e, ah, que vontade de gritar esse nome para que ele pare de me deixar tonta!
 Não! Eu não sei onde estou, não sei como vim parar aqui e é melhor ficar calada e prosseguir cavando, logo sairei desse buraco e recuperando alguma força darei o fora daqui!
 Finalmente, depois de muito esforço e horas cavando, consigo me libertar desse solo estranho e começo a analisar minha situação: "Será que morri? Como fui enterrada viva e sem um caixão, nem ao menos uma caixa? Será que foram bandidos que me barbarizaram e me enterraram viva, achando que estaria morta?!" Ainda com esses pensamentos rondando minha cabeça e o nome sendo repetido ainda, tentei abrir meus olhos e tudo que pude ver foi escuridão, e uma sensação muito forte de enjoo. De repente tudo começou a girar e desmaiei.
 Não sei quanto por quanto tempo fiquei desacordada, mas sentia meu corpo um pouco mais forte, porém com muitas dores ainda. Desnorteada, sem saber se estava sozinha ou acompanhada por alguém nas mesmas condições, decidi que seria melhor me arrastar para algum lugar que pudesse me proteger, e, assim fui tateando na escuridão.
 Enquanto tateava naquela terra fétida e seca, não pude mais ignorar os sons que me rodeavam: sussurros em uma língua desconhecida, gritos de misericórdia, gritos de pavor, risadas e grunhidos, ora perto e ora longe de onde estava e isso fazia que meu senso de direção funcionasse menos ainda! Comecei a praguejar... "Que Inferno! Fui enterrada viva num lugar desconhecido cheio de animais atacando pessoas... Esses pobres diabos sofrendo e ninguém para ajudar..." Ah, que infelicidade a minha em ter pensado alto, até demais... Ainda me arrastando pra qualquer ponto no meio da escuridão, senti que tocara em algo diferente... Eram sapatos!!! -Pensei estou salva!
 Até hoje me arrependo por não ter ficado de boca fechada naquele momento. O sapato que tocara era de um homem que estava justamente à minha procura. Ele se abaixou, me pegou pelos braços e me ergueu do solo sem nenhuma dificuldade, deixando meus pés balançando no ar e apenas disse com sua voz grave: - Achei!